(Pequeno ensaio de autoria de Daniel Souza Júnior produzido durante o curso de mestrado na UDESC)
Por detrás das cortinas, o caminho do empreendedor é demasiadamente árduo, exigindo deste agente econômico habilidades, conhecimentos e aproveitamento de oportunidades que a economia nacional a alto custo lhe oferece. De acordo com Chandler et. al. (2011) Saras Sarasvathy foi pioneira ao tentar descrever os processos do empreendedorismo pelas abordagens da Causation e da Effectuation. Sarasvathy (2001) buscou ultrapassar a tradicional abordagem acadêmica de conceber as firmas, as organizações e os mercados como elementos dados na realidade econômica. Sarasvathy mergulhou no tema empreendedorismo ao questionar como se criam as empresas. Neste paper proponho analisar a figura do empreendedor a partir destas ponderações de Saras Sarasvathy.
Atribui-se a Schumpeter o início desta reflexão quando elevou a função empresarial de um papel reorganizador do sistema econômico para um agente de mudança contínua. Ruben Vaz da Costa introduzindo a obra de Schumpeter (1997) comentou o conceito de “destruição criadora” em alusão a ideia de substituição de produtos e hábitos de consumo antigos por outros novos. Sarasvathy (2001) ao trabalhar os conceitos causation e effectuation percebe que tanto um quanto outro estão sobrepostos e entrelaçados na mente do empreendedor. Chandler et. al. (2011) comentam que o causation trata-se de reconhecer uma oportunidade e desenvolver um planejamento para apoderar-se desta chance. O effectuation parte de uma estratégia emergente, levando-se em conta o acesso aos recursos, a flexibilidade e a experiência do empreendedor para formar o “algo novo” no mercado.
Mintzberg et. al. (2000) identificaram que pouco se avançou na teoria de Schumpeter, o empreendedor precisa desenvolver uma visão em sete direções: para frente, para trás, para baixo, em baixo, ao lado, para além e através de. A visão é concebida como uma imagem do estado futuro, um senso de direção, mover-se para frente, uma constante busca por oportunidades tendo como meta crescer. Diz Mintzberg et. al. (2000, p.106): “quando o planejamento falhou, a visão surgiu”. O empreendedor combina recursos e desenvolve relacionamentos que alimentam o seu empreendimento. A operação é penosa, pois envolve tomadas de decisões sobre uma complexa plataforma de recursos do tipo: humano, financeiro, social, físico, tecnológico e organizacional, como analisaram Brush et. al. (2002).
Sarasvathy (2001) destaca que os empreendedores geralmente começam com três tipos de recursos: saber quem são, o que eles sabem e quem eles conhecem. Os empreendedores imprimem seus gostos, traços e habilidades, como também suas experiências e redes de contatos, operando estes elementos semelhantemente à uma firma. Ao discorrer sobre o conceito de effectuation, Read e Sarasvathy (2005) destacam que tal conceito orienta o empreendedor a partir dos recursos a ele disponível, enquanto a racionalidade causal orienta pelos objetivos estabelecidos. Etimologicamente a palavra “empreendedor” que é originária do inglês Entrepreuner que por sua vez deriva da palavra do francês antigo entreprendre que fora formada da união de duas palavras do latim inter – que significa reciprocidade – e preneur que significa comprador, na raiz, a combinação entre estas duas palavras latinas forma a palavra intermediário, diz Hisrich (2009). Isto é, ser empreendedor não é somente ter força de vontade para criar algo, mas é preciso ter certa coerência em suas ações de tal maneira que venha a agir com consciência, sabendo o que fazer neste “meio”.
A Teoria de Causation e Effectuation abre espaço para uma discussão na ciência da Administração que tenta compreender o processo de empreender. Chandler et. al. (2011), por exemplo, encontraram em sua pesquisa evidências do constructo Causation na vida diária do empreendedor. O empreendedor “montador de quebra-cabeças” identifica a oportunidade, reúne seus recursos e operacionaliza seus planejamentos e estratégias. Enquanto, o construto effectuation se confirmou em suas três sub-dimensões, a saber: experiência, acessibilidade e flexibilização, e as sub-categorias pré-compromissos e alianças estratégicas foram evidenciados com certa dificuldade na pesquisa de campo.
Para Chandler et. al. (2011) a dimensão das alianças estratégicas e os pré-compromissos que Sarasvathy teoriza como redutores de incertezas no processo de empreender, precisam ser analisados não apenas no constructo effectuation, mas também no causation. Esta observação dos autores com a metáfora da “colcha de retalhos” quando a visão do empreendedor da linha effectuation vê o mundo em construção e dependente da ação humana. Porém para que ele possa construir seu espaço este agente econômico utiliza sua rede de contatos para estabelecer alianças e estabelece compromissos prévios para que o seu futuro não seja tão incerto. No causation o empreendedor ao montar o seu “quebra-cabeça” dos negócios também estabelece pré-compromissos para não empregar por completo seus recursos.
Assim, a teoria causation and effectuation estabelece um interessante marco de discussão teórica ao descrever as operações dos empreendedores. Ademais, o pioneirismo de Sarasvathy seria um avanço de Schumpeter, reclamado por Mintzberg et. al. (2000). Importa dizer também que Sarasvathy oferece um caminho para compreender as organizações não como algo mecanizado ou naturalmente gerado, mas trata-se de artefatos construídos em sociedade e que resulta de um esforço visionário de agentes que operam nos interstícios da economia.
BRUSH, Candida G.; GREENE, Patricia G.; HART, Myra M. Empreendedorismo e Construção da Base de Recursos. Revista de Administração de Empresas, v.42, n.1, jan./mar., p.20-35, São Paulo: 2002.
CHANDLER, Gaylen N.; DETIENNE, Dawn R.; MCKELVIE, Alexander; MUMFORD, Troy V. Causation and effectuation processes: A validation study. Journal of Business Venturing, v.26, p.375–390, 2011.
HISRICH, Robert D.; PETERS, Michael P.; SHEPHERD, Dean A. Empreendedorismo. Trad.: Teresa Felix de Souza.7.ed. Porto Alegre: Bookman, 2009.
MINTZBERG, Henry; AHLSTRAND, Bruce e LAMPEL, Joseph. Safári de Estratégia: um roteiro pela selva do planejamento estratégico. Trad. Nivaldo Montingelli Jr. Porto Alegre: Bookman, 2000.
SCHUMPETER, Joseph Alois. Teoria do Desenvolvimento Econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Tradução: Maria Silvia Possas. São Paulo: Abril Cultura, 1997.
READ, Stuart ; SARASVATHY, Saras. Knowing What to Do and Doing What You Know: Effectuation as a Form of Entrepreneurial Expertise. Journal of Private Equity, v.9, n.1, p.45-62, 2005.
SARASVATHY, Saras. Causation and effectuation: toward a theoretical shift from economic inevitability to entrepreneurial contingency. Academy of Management Review, v. 26, n.2, p.243-263, 2001.
(Pequeno ensaio de autoria de Daniel Souza Júnior produzido durante o curso de mestrado na UDESC)
Cipião contou que, certa vez, Platão ou um dos filósofos da antiguidade grega foi levado por uma tempestade a uma praia desconhecida. Caminhando naquela deserta costa com alguns marinheiros, Platão viu figuras geométricas desenhadas na areia, ao que logo “gritou que fossem de bom ânimo, pois ele via vestígios de homens” (MAIA JUNIOR, 2016, p. 136). As inscrições na areia eram o sinal da ciência daquele homem antigo. Ao descobrir a razão, o homem grego intuiu formas e ideias do mundo real, estruturando um universo imaginário.
E quanto ao homem moderno? Que formas e ideias a racionalidade pós-renascentista o levou a intuir? Dito de outro modo, o que desenharia na areia o homem moderno, para que alguém exclame: “vê, isto é ciência, vestígios de homem!” O espanto cultivado pelos gregos na contemplação da realidade foi lentamente equipado com cálculos matemáticos, em tempos medievais, conduzidos por Bhaskara, Averroes e Johannes Widmann, mas que se tornaram rudimentares diante das formulações modernas de Gauss, Bernoulli, Poincaré e outros.
Aquelas formas na areia eram o sinal de vida da mente racional (lógos) no mundo antigo, na qual a filosofia grega se debruçou. Um mundo construído sob uma plataforma mítica poética nas narrativas de Homero e Hesíodo, mas que teve grande progresso quando Tales de Mileto irrompeu o mistério e disse: “tudo é água”. Não que o homem grego tivesse os meios para se afastar por completo da influência dos deuses, mesmo porque, até Platão frequentemente recorria às mitologias, lembra Oliveira (2011). Mas o antigo grego trilhou o caminho da razão para saber os porquês do cosmos que o cercava.
Como resumiu Arent (2005, p. 279), “com o advento da modernidade, a matemática não somente amplia o seu conteúdo, mas o leva ao infinito para tornar-se aplicável”. Nos tempos de René Descartes, todo o corpo científico se concentrava na lógica, na álgebra e na análise dos geômetras. Assim ele disse: “quanto à lógica, os seus silogismos e a maior parte de seus outros preceitos servem mais para explicar a outrem as coisas que já se sabe. (...) Depois, com respeito à análise dos antigos e à álgebra dos modernos, além de se estenderem a matérias muito abstratas, e de não parecerem de nenhum uso, a primeira permanece tão adstrita à consideração das figuras que não pode exercitar o entendimento sem fatigar muito a imaginação. Na segunda, há certas regras e certas cifras que fizeram dela uma arte confusa e obscura, que embaraça o espírito, em lugar de uma ciência que o cultiva” (DESCARTES, 1979, p. 37-38).
Diante de tais fragilidades dessas ciências, Descartes (1979) resolveu construir um método composto de quatro princípios. São eles: 1) jamais tomar algo como verdadeiro se não reconhecesse como tal; 2) dividir cada uma das dificuldades em várias partes para melhor resolvê-las; 3) ordenar os pensamentos, a começar pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer; e, por fim, 4) estabelecer enumerações tão completas, de modo a garantir que nada fora omitido. Na era cartesiana, o homem moderno se atreveu a desnudar-se por completo para a racionalidade lógica: “nunca o meu intento foi além de procurar reformar meus próprios pensamentos, e construir num terreno que é todo meu” (DESCARTES, 1979, p. 36). Em outra parte, Descartes completa: “compreendi então que eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste somente no pensar” (DESCARTES, 2017, p. 40).
Koyré (2011) destaca que o “salto metodológico” da ciência moderna, identificado por Alistair Crombie, nada mais foi que um neoplatonismo. “A pergunta metafísica sobre o “porquê” das coisas (...) foi progressivamente substituída pela pergunta científica sobre o “como” das coisas, respondida simplesmente colocando fatos em correlação” (CROMBRIE, 1953, apud KOYRÉ, 2011, p. 66). Para Crombie, esta foi uma mudança de grau, mas para Koyré, foi uma mudança de natureza.
A sofisticação calculista da mentalidade moderna se estabelece sob uma amálgama de técnicas, que acabam reduzindo os fenômenos a uma condição de validade ou invalidade. Não por acaso nas notas de rodapé 2 e 3 de Bacon (1979, p.5-6) o tradutor destaca que Francis Bacon utiliza os vocábulos “ratio” ou “via” no lugar da transcrição latina “methodus”, possivelmente para afastar de vez o silogismo dedutivo medieval. Bacon (1979) estava sinalizando que seu instrumento supremo era a razão, e assim como para os serviços braçais as ferramentas são necessárias, na intelectualidade os métodos são indispensáveis. Se Crombie estava equivocado quanto à supremacia da abordagem quantitativa frente à qualitativa, ou mesmo enganado quanto à origem da ciência moderna, como bem destacou Koyré (2011), o historiador australiano acertou no que tange a metodologia moderna, pois, a matematização das abstrações é o maior produto da ciência moderna.
No fim, se o homem moderno estivesse naquela ilha deserta da qual Cipião falou, talvez ele inundasse a vasta costa praiana de algoritmos matemáticos com fórmulas, ábacos e tabelas dinâmicas. Estabeleceria vetores, iria medir grandezas e representaria conceitos e postulados com operações matemáticas precisas. Tanto Descartes quanto Francis Bacon tentaram transpassar esta matematização, resumindo tudo a uma questão de método para conhecer a realidade. Todavia, nas areias da praia, o homem moderno segue desenhando fórmulas, mas sem encontrar a realidade. Como se diria, “é homem porque os animais não podem fazer cálculos tão complexos”. Porém, seria isso uma ciência?
ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
BACON, Francis. Novum organum. In: BACON, Francis. Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 1-21.
DESCARTES, René. Discurso do método. In: DESCARTES, René. Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
___. Discurso do método. São Paulo: Lafonte, 2017.
KOYRÉ, Alexandre. As origens da ciência moderna: uma nova interpretação. In KOYRÉ, Alexandre. Estudos de história do pensamento científico. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.
MAIA JUNIOR, Juvino Alves. De Re Publica de Cícero. João Pessoa: Ideia, 2016.
OLIVEIRA, Richard Romeiro. As relações entre a razão e a cidade nas “leis” de Platão. Belo Horizonte: Loyola, 2011.
(Pequeno ensaio de autoria de Daniel Souza Júnior produzido durante o curso de mestrado na UDESC)
Na apresentação do livro “a ideia da fenomenologia” de Edmund Husserl, Walter Biemel descreve como este filósofo alemão desenvolveu o conceito de redução fenomenológica para alcançar a “dissolução do ser na consciência” (HUSSERL, 2008, p.10). Biemel enfatiza que a filosofia husserliana segue um caminho diferente da proferida por Immanuel Kant buscando não a “coisa-em-si”, mas a constituição do objeto na consciência do indivíduo.
Neste contexto é que pretendo introduzir uma discussão sobre a ideia de criatividade e inovação. Rogers (1971), por exemplo, conceitua a inovação como uma ideia, prática ou objeto percebido como novo. Em outro campo Gaut (2010) encontrou um consenso de definição para a criatividade como a capacidade de produzir coisas originais e de valor. Numa abordagem epistemológica podemos estabelecer que a mente criativa procura a autenticidade, e a inovadora busca aquilo que é reconhecidamente novo.
A fenomenologia de Edmund Husserl (1858-1938) por sua vez, pode oferecer uma oportunidade de aprofundamento nos atos de “criar” e “inovar”. Segundo Schutz (1979) a fenomenologia de Husserl antecede a toda e qualquer discussão de natureza idealista, realista ou mesmo empirista. Husserl se ocupa em conhecer as essências da realidade dada e como essas estão adaptadas em nossas correntes de experiências, cogitações e pensamentos. Trata-se de uma fenomenologia de caráter transcendental dedicada a entender o objeto aparente estabelecido na consciência, separado, momentaneamente, de seu original no mundo real.
Walter Biemel destaca que na filosofia transcendental de Edmund Husserl a tarefa é notar as correlações entre ato, significação e objeto, (HUSSERL, 2008). Diz o filósofo alemão: “a fenomenologia é a doutrina universal das essências, em que se integra a ciência da essência do conhecimento” (HUSSERL, 2008, p.20). Schutz (1979) explica que, a consciência é feita de uma corrente contínua de “acende” e “apaga” ou num “Agora” e “Antes” formando o fluxo interior. Nesta corrente de duração pura é que surge a lembrança “é o lembrar que suspende a experiência da corrente de duração irreversível e modifica, assim, a consciência, transformando-a em lembrança”, observa Schutz (1979, p.62).
Por exemplo, ao analisar como a mente de uma criança pode desenvolver a partir da imaginação, Schapper (2009) identificou duas abordagens na psicologia, uma idealista e outra empirista. A primeira considera a percepção como o núcleo imaginativo e a memória como elemento desta imaginação. Por outro lado, a psicologia associativista (empirista) vê a imaginação se relacionando com a memória construindo e criando novas percepções a partir das impressões anteriormente acumuladas. Esta imaginação que se forma na infância de maneira livre e simples, ao longo dos anos amadurece, se adapta às estruturas lógicas do raciocínio humano, sedimenta no interior da consciência em forma de imaginação reprodutora ou criativa advinda das experiências vividas. E por fim, estabelece os graus de criatividade daquele indivíduo.
Neste contexto, uma criança que imagina uma “bazuca de raio azul” está rememorando impressões. Porém, se esta criança replica toda a sonoplastia, os movimentos dos braços e pernas, e ainda utiliza objetos improvisados para simular o instrumento “bazuca”, eis uma mistura de imaginação criativa e reprodutora. O que Husserl propõe é uma investigação do estabelecimento do objeto “bazuca” na consciência deste pequeno indivíduo. O objeto bazuca apareceu para a criança no espaço-tempo em filmes, séries ou desenhos animados. Em seguida, a consciência deste pequenino estabeleceu uma relação com a “bazuca de raio azul”, a essência “bazuca de raio azul” foi estabelecida na corrente de experiências da criança, separado de toda temporalidade e espaço.
A consciência que se desenvolve numa relação de intencionalidade com o objeto, pode se manifestar de duas formas: ou numa atitude natural ou por uma redução fenomenológica. A natural é aquela que segue o curso da temporalidade sem uma reflexão sobre a corrente de experiências. A redução fenomenológica é aquela que separa da temporalidade as experiências refletindo atomísticamente uma a uma descrevendo aquilo que lhe aparece. Schutz (1979) afirma que na visão husserliana a consciência é a “consciência de alguma coisa”, ela não está vaga, mas desenvolve uma intencionalidade com aquilo que o sistema psicofísico percebe no mundo real.
No momento em que faço esta reflexão, voltado para a minha experiência de viver, deixo de viver dentro deste fluxo, apreendo as experiências como formas constituídas tornando elas mesmas objetos de atenção. Aquela criança segue o fluxo natural, sem reflexão ou redução fenomenológica, ela apenas incorpora a essência “bazuca de raio azul” e obedece inocentemente o seu fluxo interior de consciência. Num indivíduo pelo qual o amadurecimento condicionou a imaginação às estruturas lógicas de raciocínio, poderá tentar construir a “bazuca de raio azul”. Neste instante é que Gaut (2010) se lembra de Kant que relacionava a criatividade à capacidade de imaginar.
A teoria husserliana postula que a redução fenomenológica deve conceber a consciência em duas estruturas; a noese, que seria aquilo que se vivencia; e a noema, o que é vivenciado. Este vivenciado, dimensão noemática, é onde se localiza a essência. Este local que a memória é capaz de apenas visualizar, mas incapaz de reproduzir. A imaginação resgata a ideia de “bazuca de raio azul”, no entanto, a “bazucabilidade”, a “raiabilidade” e a “azulabilidade” permanecem inacessíveis à memória, todavia todos podemos detectar a presença dessas essências lá. Construídas por anos de experiências, vivências e cogitações.
Assim, a criatividade que busca aquilo que é original e de valor pode ter relação com o volume e diversificação destas essências na consciência (bazucabilidade, casabilidade, pratabilidade e etc). E a inovação, que tem relação com a percepção daquilo que é novo está ligada às várias formas de sobreposição destas essências no mundo prático. Lembrando que essas essências podem ser intencionadas de vários pontos dos nossos sentidos e a descrição delas somente é possível mediante a reflexão.
Portanto, de fato, não seria exagero afirmar que a análise fenomenológica husserliana abre espaço para um aprofundamento no debate das duas temáticas para além do psicologismo e das ciências psicológicas da criatividade e inovação.
HUSSERL, E, A ideia da fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 2008. Trechos selecionados.
ROGER, Everett M. Diffusion of innovations. 2.ed. New York: A Division of Macmillan Publishing Co., Inc, 1971.
SCHAPPER, Ilka. A imaginação e o desenvolvimento infantil. Educação em Foco, v. 13, p. 157-169, Juiz de Fora: 2009. Disponível em< http://www.ufjf.br/revistaedufoco/files/2009/11/Artigo-09-13.2.pdf> acessado em: 03 de out. 2019.
SCHUTZ, A. Fundamentos da Fenomenologia. In: WAGNER, H. R Fenomenologia e Relações Sociais. Textos Escolhidos e Alfred Shutz. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
(Pequeno ensaio de autoria de Daniel Souza Júnior produzido durante o curso de mestrado na UDESC)
Nas aulas de Estratégia Organizacional, ministradas pela professora Graziela Alperstedt, aconteceram inúmeras discussões sobre o processo de construção de uma Vantagem Competitiva Sustentável. Michael Porter e Henry Mintzberg foram recorrentemente citados como autores referência na compreensão do conceito de estratégia e seu desenvolvimento, levando-se em conta os setores que as companhias estavam inseridas.
Todavia, as publicações de Teece et. al. (2014) e Eisenhardt e Martin (2014) abriu-nos uma oportunidade de abordar a organização a partir de sua Base de Recursos considerando a perspectiva das Capacidades Dinâmicas. Para tanto, estes autores partiram de análises resumidas sobre as Forças Competitivas de Porter, a Visão Baseada em Recursos (VBR), a Teoria dos Jogos aplicada ao Conflito Estratégico.
Destes três paradigmas, Teece et. al. (2014) e Eisenhardt e Martin (2014) puderam estabelecer as dimensões da estratégia organizacional em que se estabeleciam as Capacidades Dinâmicas. Estas dimensões, Processos e Posições da Organização e os seus Caminhos “path dependence”, oferecem à companhia os meios para se adquirir processos únicos que permitem a construção de uma Vantagem Competitiva. Dito de outro modo, as Capacidades Dinâmicas das empresas proporcionam a aquisição, criação, integração e recombinação da base de recursos organizacionais tendo por objetivo a criação de valor tornando-a diferente de seus rivais.
Porém, é preciso destacar que estas Capacidades Dinâmicas emergem da teoria da VBR cujo enfoque é interno à organização. Estas capacidades irão colocar a organização numa posição única cujo processo não pode ser replicado (transferido) e nem imitado (replicado pelos rivais). Isto significa que as Capacidades Dinâmicas viabilizam a criação de posições diferenciadas da organização em seu setor de atuação, dentro daquele paradigma das Forças Competitivas. Neste contexto as Capacidades Dinâmicas oportunizam lucratividade, alavancagens, considerando as habilidades e know-how das companhias.
O problema estratégico que se coloca frente às Capacidades Dinâmica é “identificar os fundamentos nos quais as vantagens distintas, e difíceis de replicar, podem ser construídas, mantidas e incrementadas”, assim observaram Teece et. al. (2014, p.181). Esta identificação passa pelo processo de aprendizagem, da gestão do conhecimento e aquisição de habilidades das companhias. Teece et. al. (2014) destacam ainda que a estratégia baseada em Capacidades Dinâmicas é um avanço da Teoria da VBR que pressupõe a heterogeneidade das empresas em matéria de recursos, capacidades e atributos; considerando sua a complexidade de desenvolvimento e o alto custo de imitação de seus processos únicos.
Eisenhardt e Martin (2014) acrescentam que as Capacidades Dinâmicas são rotinas específicas e identificáveis. Partindo de uma “Sequência de Passos” a empresa desenvolve “melhores práticas” que paradoxalmente colocam as companhias numa condição de homogeneidade. Um claro conflito com os pressupostos da Teoria da VBR, porém neste momento a Teoria das Capacidades Dinâmicas oferecem um upgrade, ou uma nova perspectiva, à Teoria da VBR estabelecendo o VRIN (valor, raridade, imitabilidade e não substituição).
Eisenhardt e Martin (2014) destacam que a VBR contribui para a noção de vantagem temporária e vantagem sustentável dentro das estratégias a curto e longo prazo. Uma vez que, as “Sequências de Passos” (path dependence) permitem identificar as rotinas que auxiliam a tomada de decisão, realocando recursos, desenvolvendo produtos e competências objetivando a sinergia interna da organização, ou seja, as “melhores práticas”. Esta é a terceira dimensão das Capacidades Dinâmicas, os Caminhos que estabelecem uma estratégia cuja prioridade é a vantagem competitiva sustentável.
Diante de toda esta explanação não é difícil afirmar como aqueles três paradigmas contribuíram na formação da perspectiva das Capacidades Dinâmicas. As unidades de análises estratégicas que se concentravam na empresa, nos produtos ou mesmo nos recursos, através das capacidades Dinâmicas passaram-se a considerar os processos, as posições e os caminhos da organização. A estruturação de uma estratégia deve alcançar o “como” que a empresa coordena e integra os seus recursos e habilidades, ainda que o seu setor de atuação seja lucrativo.
Este pensamento permite compreender o dinamismo da teoria das Capacidades Dinâmicas na medida em que as oportunidades são fluidas e de tempos em tempos a organização precisa reconfigurar seus recursos para atender suas metas dentro de um novo cenário. Não por acaso, Teece et. al. (2014) descrevem o termo “capacidade” como “habilidade e recurso”, enquanto “Dinâmica” diz respeito a “renovar as competências”. A organização que tem como base estratégica a Capacidade Dinâmica tende a criar vantagem competitiva a partir da criação de valor, eis um quarto paradigma que sobrepõe aos anteriores.
Por fim, o estudo da estratégia organizacional trata-se de uma temática com diversas perspectivas heterogêneas que podem ou não convergir. No entanto, se tomar a rivalidade dos competidores de mercado, a escassez dos recursos e a posição dos players em constante conflito estratégico com seus pares, a Visão Baseada em Recursos somada as Capacidades Dinâmicas fornecem um significativo arcabouço de ações estratégicas.
HUSSERL, E, A ideia da fenomenologia. Lisboa: Edições 70, 2008. Trechos selecionados.
EISENHARDT K.; MARTIN. O que são capacidades dinâmicas? In: Lacerda, D. P.; Teixeira, R.; Antunes, J. Corcini Neto, S. L. H. Estratégia baseada em recursos: 15 artigos clássicos para sustentar vantagens competitivas. Porto Alegre: Bookiman, 2014.
TEECE, D; PISANO, G. SCHUEN, A. Capacidades dinâmicas e gestão estratégica. In: Lacerda, D. P.; Teixeira, R.; Antunes, J. Corcini Neto, S. L. H. Estratégia baseada em recursos: 15 artigos clássicos para sustentar vantagens competitivas. Porto Alegre: Bookiman, 2014.
(Pequeno ensaio de autoria de Daniel Souza Júnior produzido durante o curso de mestrado na UDESC)
Um dos autores que aprendi a admirar é o russo Pitirim Sorokin, fundador do departamento de sociologia da Universidade de Harvard que acumulou as cadeiras de antropologia e psicologia. Segundo Cole (2004), Sorokin, juntamente com Talcott Parson, foi orientador na dissertação de Robert Merton durante os anos 30. Leo Peixoto (2014) ao comentar sobre Sorokin delineia como o autor russo contribuiu para a construção do conceito de sistema na sociologia. Na obra “sociedade, cultura e personalidade” Pitirim Sorokin oferece um amplo arcabouço histórico das bases de estudo das ciências sociais. Para Sorokin (1968) a sociologia lida com fenômenos de natureza superorgânica que emergem do homem e suas interações com seus pares dentro do mundo por ele construído.
Esta “interação” pode ocorrer de forma inorganizada (ex. músicos em cacofonia), de forma organizada (ex. músicos numa sinfonia) ou de forma desorganizada (ex. músicos em desarmonia). Neste contexto, o autor russo postula que o genérico observável das ciências sociais deve ser a “interação significativa de dois ou mais indivíduos humanos” (SOROKIN, 1968, p.59). Bem diferente do “fato social” de Durkheim e da “luta de classe” de Marx.
Segundo Sorokin (1968) a forma organizada tem em seu núcleo “a norma” definindo direitos e deveres, distribuindo tarefas e papéis e estabelecendo o status do sistema de interação. Importante salientar que esta “interação” é à base da sociologia sorokiniana em que cada sujeito da interação é uma personalidade, e o conjunto destas personalidades em interação gera uma sociedade, e a totalidade dos significados, valores e normas possuídas por estas pessoas formam a cultura.
Sorokin (1968) amplifica a discussão para uma dimensão de grupos organizados em torno de valores fundamentais de natureza biossociais ou sócio-culturais, que a partir da combinação destes, surgem estruturas sociais como família, nação, classe social e etc. São estes elementos normativos e valorativos que Thomas Kuhn procurou reunir em seus paradigmas, os quais governam os grupos de cientistas (KUHN, 1987). O consenso moral codificado que Merton (2013) chamou de éthos da ciência é composto de prescrições, preferências e permissões que certificam e validam um conhecimento científico.
Agora, Morgan (1980) utiliza os paradigmas de Thomas Kuhn para apontar que a ciência das organizações pode ser teorizada em três categorias. Num nível macro estão os paradigmas metateóricos classificados como funcionalista, interpretativista, humanista radical e estruturalista radical. No nível intermediário estão as metáforas que geram imagens para o estudo do objeto organização, como a “metáfora da máquina” ou a “metáfora do organismo”. E por fim, o nível mais prático onde estão os métodos e técnicas como, por exemplo, análises textuais, no caso da metáfora de jogos de linguagem dentro de um paradigma interpretativista.
Na dimensão funcionalista, segundo Morgan (1980), as organizações têm por referência modelos racionalistas, focadas na competição e integradas burocraticamente. Numa visão interpretativista, estas mesmas organizações podem ser compreendidas a partir de seus indivíduos, mapeando a linguagem destes, suas formas de pensamento e suas intencionalidades. Na abordagem humanista radical a organização é vista como uma “prisão psíquica” onde cada indivíduo está preso a processos consciente e/ou inconsciente. Por fim, o estruturalismo radical fomenta as metáforas que contemplam a dominação, sistemas cismáticos e de catástrofe que no geral descrevem a influência dos sistemas macros na estrutura das organizações.
Westwood e Clegg (2003) destacam a importância das divisões em paradigmas para os estudos organizacionais, não apenas relacionando a noção objetiva com a subjetiva, mas inaugurando um debate ontológico, epistemológico, metodológico e humanístico em torno da temática. Paes de Paula (2015) contribui com a discussão ao resgatar de Michael Hill a ideia de sistemas de produção de conhecimento em que a epistemologia nada mais era do que filosofias, metodologias e teorias sobre visões de mundo.
Tomando a visão sorokiniana por referência é possível perceber que estes paradigmas acomodam uma diversidade de interações repletas de significação. Uma vez que, as interações significativas têm em seu núcleo os simbolismos, as normas e os valores, por meio dos quais os indivíduos se conectam configurando desenhos organizacionais. Assim, uma organização religiosa tem em seu núcleo os elementos da fé e crença como elos interativos, a organização social tem os elementos comuns a sociedade, como o bem público, e a organização mercantil forma-se em torno dos elementos que remetem ao mercado. A categorização feita por Morgan (1980) contempla não apenas as percepções individuais, uma vez que é preciso certo distanciamento para enxergar o todo, mas compreender a realidade organizacional a partir de modelos e teorias a partir de várias matrizes, que Paes de Paula (2015) debateu.
Para Pitirim Sorokin o grupo organizado é aquele que tem a norma jurídica como elemento regulador e controlador da conduta. Sendo assim, os pressupostos de Pitirim Sorokin podem enriquecer os estudos das organizações levando-se em conta as interações das personalidades e a influência da cultura na formação das organizações. O indivíduo que participa de uma organização religiosa, também pode comungar num ambiente social organizado e trabalhar, ao mesmo tempo, numa empresa de mercado. Dito de outro modo, as personalidades estão em constante interação significativa, cujas metáforas tentam imaginar como ocorrem os atos de organizar, diz Morgan (1980).
Assim, a grande contribuição que Sorokin pode dar aos estudos organizacionais está na dimensão interacional entre indivíduos. Uma vez que esta interação significativa é o começo de toda a formação organizacional de um determinado grupo.
COLE, Stephen. Merton's contribution to the sociology of science. Social studies of science n.34, v.6, dez, p.829-844, 2004.
KHUN, T. Posfácio. In : KHUN, T. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo : Perspectiva, 1987, p.217-257.
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